"Valorizar essas figuras é discutível", diz professor da UFSM sobre proposta de homenagem a coronel Ustra em Santa Maria

A declaração do vereador de Porto Alegre Marcelo Ustra da Silva Soares (PL), conhecido como Coronel Ustra, de que pretende instalar uma estátua de Carlos Alberto Brilhante Ustra em Santa Maria caso alcance um cargo maior, repercutiu nacionalmente, com avaliações positivas e negativas.

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Em entrevista ao programa Fim de Tarde, da Rádio CDN, o professor José Carlos Martines Belieiro Júnior, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), afirmou que a proposta é “fora de contexto” e enfrentaria ampla resistência social e política na cidade.

A afirmação do vereador, feita em entrevista ao Porto Alegre 24 Horas TV, retomou um dos debates mais sensíveis do país: a disputa por memória e símbolos públicos ligados à ditadura militar. Ao comentar a remoção e substituição de monumentos, Ustra criticou prefeitos que “gostam de demolição” e afirmou que, se chegar “mais alto”, colocará em Santa Maria uma estátua do coronel, nascido na cidade em 1932.

Figura "controversa"

Nascido em Santa Maria, Ustra comandou o DOI-Codi de São Paulo entre 1970 e 1974, período em que documentos oficiais e decisões judiciais apontam que 502 pessoas foram torturadas e 50 foram mortas. Em 2008, tornou-se o primeiro militar reconhecido pela Justiça brasileira como torturador. Ele sempre negou as acusações, embora tenha admitido “excessos” e reconhecido participação em interrogatórios. Morreu em 2015, aos 83 anos.

— É uma figura conhecida por atuar no aparelho repressivo, assim como outros. Não foi exclusividade dele. É lembrado pelas perseguições, pelas torturas, pelos desaparecimentos. É conhecida a história de que teria sido torturador da ex-presidente Dilma Rousseff. Para alguns grupos ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, ele é um herói. Para outros, é no mínimo uma figura controversa — afirmou.

Belieiro avalia que a fala pode ter relação com o atual momento nacional.

— Talvez seja uma fala reativa, em resposta ao cenário político e ao encarceramento do ex-presidente. Tenho certeza que haveria uma uma forte oposição a esse tipo de de iniciativa – afirmou o professor, que também pondera que monumentos sempre carregam disputas simbólicas:

— As estátuas representam um momento da história. Muitas homenageiam conquistadores, líderes militares ou políticos envolvidos em violência. Hoje vivemos um questionamento dessas figuras. É legítimo revisar. Mas não se trata de apagar a história, ela precisa ser interpretada criticamente – defende.

Quem valorizar?

O professor, que leciona a disciplina Política Pós-64, diz que o tema ainda provoca desconforto dentro e fora da academia pela dimensão de violência que marcou o período. Questionado sobre como Santa Maria reagiria à ideia de receber uma estátua de Ustra, Belieiro é direto:

— A fala do vereador é fora de contexto. Estamos há mais de 40 anos vivendo em democracia. Valorizar essa figura é discutível. E ele está invadindo uma competência local. Se isso acontecesse, haveria muita resistência. Tenho certeza de que as pessoas não aprovariam. Haveria uma forte oposição a esse tipo de iniciativa. 

Ao final da entrevista, Belieiro lamentou que o país ainda retome figuras ligadas à repressão:

— Fico chateado que tantos anos depois ainda tenhamos de falar disso. Mas é algo que acontece em outros países também, como Chile e Espanha. Ainda assim, espero que possamos valorizar lideranças comprometidas com a justiça e a liberdade. A democracia é difícil, mas é o melhor regime que temos — completou.

Confira a entrevista completa